sábado, 27 de junho de 2009

Condespar
O inferno verde




As viaturas cortam a principal avenida da cidade de Redenção, na Região Sul do Estado do Pará, com giroflex ligados e, em alta velocidade. Para quem registra a cena da calçada a imagem lembra as investidas contra as favelas do Rio de Janeiro. Policiais exibindo os novos fuzis israelenses, recentemente adquiridos pelo governo, e, mesmo tendo a certeza de que a missão não é por aqui, a maioria esboça pose de galã de cinema. O comboio se desloca rumo a Santana do Araguaia, na divisa com o Estado do Mato Grosso. Uma região fronteiriça, muito conhecida por conflitos pela posse da terra e pelo alto índice de assassinatos por encomenda. Não há tempo para colher detalhes do que está acontecendo Mas, alguma coisa me diz que vale a pena investir. É Inverno de 1995... Para mim, a melhor estação do ano. Estou com 25 anos de idade e sou o responsável pela edição de um programa regional de muita audiência além de atuar como correspondente do programa “Aqui - Agora”, do SBT.
Vivo numa frenética corrida por assuntos polêmicos que, acredito, podem significar meu “passaporte” definitivo para o cenário nacional. Aqui, eu sou o comunicador de maior destaque, conhecido pela coragem e o faro aguçado para matérias polêmicas.
O dia, que parecia calmo, recebe uma dose cavalar de adrenalina com a possibilidade de uma boa reportagem. Redenção ainda sofre com as sombras assustadoras de um passado recente: A “pistolagem”. É comum, para os moradores desta cidade, conhecer os profissionais do gatilho pelo nome, associado à profissão (Chico Pistoleiro,Zé do Gatilho, etc,). Só um milagre pode devolver a paz à região. Mas, milagre é coisa de Deus e, a solução encontrada para o impasse está longe de uma ligação com a santíssima trindade: Um delegado linha dura, apelidado carinhosamente de Robocop é destaque nas páginas policiais como o xerife do Sul do Pará. Essa é a fama do temido Aldo de Castro, ex-integrante da ROTA-Ronda Ostensiva Tobias Aguiar, no Estado de São Paulo.
Um homem que faz questão de fazer constar em seu currículo à prisão do próprio pai e a execução, em campo de batalha de, pelo menos, quarenta bandidos. Esse foi o remédio que pôs um freio na ação dos assassinos de aluguel e, de quebra na maioria dos menos perigosos que, como urubus na carniça, praticavam pequenos furtos na periferia da Redenção. Aldo é, sem dúvida, o assunto mais freqüente nas mesas de bar, nos bancos da praça, etc. Resumindo: Poucas pessoas seriam capazes de desafiar o mais novo xerife dessas redondezas. Um homem alinhado e de fisionomia serena que nem de longe deixa transparecer o peso da crueldade que é capaz de investir contra o inimigo.
Antes de decidir se me juntaria ou não ao comboio, decidi colher mais informações. Por telefone, um policial civil me informa que essa seja talvez a mais importante missão para Aldo de castro desde que assumiu a delegacia de Redenção. Efetuar a prisão dos bandidos mais perigosos e temidos em toda a região Sul do Estado: Os irmãos Adriano Salomão e Jânio. Acusados de vários homicídios, formação de quadrilha e exploração do trabalho escravo. Adriano Salomão, o “Cabeça” do grupo, colocou a reputação do nosso xerife em xeque ao tornar público um desafio, no mínimo, desaforado. Em uma entrevista concedida por Adriano Salomão a NBTV (Afiliada da Rede Globo, no Sul do Pará). Uma reportagem produzida com fortes pitadas de sensacionalismo. O bandido escondido no meio da selva relata o seu poderio e a determinação de continuar aterrorizando a vida dos colonos e, no recado ao delegado durão, Adriano afirma estar pronto para o conflito armado. Nesse caso, o silêncio da polícia poderia soar como um ato de covardia E, isso, naturalmente, seria um desastre. Como era de se esperar, Aldo de Castro, topou o confronto.
Na viatura que abre caminho para o restante do comboio está o nosso "Robocop tupiniquim". A primeira parada da viagem é no povoado conhecido como “Casa de Tábua”, até então, algumas casinhas espalhadas em duas ou três ruas. A contar pelo número de bares, acredita-se que, pelo menos, uma vez pôr mês, um grande número de pessoas passa por aqui. Os olhares são desconfiados, de pessoas que farejam o perigo ou que têm algo a temer. Homens de fisionomia pesada: maltratados pela ação do tempo que, mais cedo ou mais tarde, cobra do nosso corpo os abusos da exposição, mesmo que forçada, a uma vida desregrada. Eles vêm de várias regiões do País na expectativa de uma vida melhor em um menor espaço de tempo. Num suposto “Eldorado” é comum esbarrar com foragidos que aproveitam a ausência da polícia para levar uma vida “normal”. Mulheres cobertas apenas por toalhas de banho, espreguiçadas em “cadeiras de macarrão” espalhadas pela calçada. São prostitutas que, em meio a uma seqüência de gargalhadas desejam nos passar a idéia de força, segurança e satisfação com a vida que levam por aqui. Mas, não é bem isso que se vê no dia-a-dia. A realidade dessas pobres criaturas sabe-se é, no mínimo, cruel... Recrutadas em regiões de extrema pobreza, elas chegam aqui iludidas com a promessa de dinheiro fácil que, em pouco tempo, seria suficiente para o retorno e uma nova vida na terra natal. Mas, nada disso se concretiza... Em pouco tempo, arrependidas, elas estão dispostas a desistir; mudar de vida. Só que, para isso, vão ter que pagar o que devem para aqueles que as recrutaram... Uma conta que só tende a aumentar.
No destacamento um cabo da Polícia Militar nos recebe com uma cara de quem passou a noite provando à qualidade das bebidas comercializadas no povoado. Como até hoje ainda acontece nas pequenas vilas do Pará, o destacamento é formado por uma média de quatro policiais. Numa região onde os conflitos pela posse da terra são uma constante esse número é desprezível.
Ainda no povoado “Casa de Tábua”, o delegado resolve fazer uma visita ao posto de fiscalização da Receita Estadual. Mas, não se trata de uma visita amigável... Aldo já tem informações de que, até os fiscais da receita colaboram com o bando de Salomão... Através de um rádio amador, eles passam informações sobre a movimentação nos arredores do povoado, principalmente, quando se trata de batida policial. Com isso, os mais de cem quilômetros que nos separam do início da área da Condespar, são suficientes para Salomão, Jânio e seu bando porem em prática um plano de fuga... A chegada do "xerife" não é nada cordial... Sem dizer uma palavra, ele cruza o pequeno salão, invade a área restrita, desconecta os cabos recolhe o equipamento de transmissão e sai em absoluto silêncio...
Nos quase cem quilômetros de estrada “carroçal”, a polícia deflagrou uma intensa busca a integrantes do bando. Nenhum carro cruzou o bloqueio sem ser, minuciosamente revistado. Mesmo sem o auxílio do rádio amador, A notícia correu rápida... À medida que nos aproximávamos rojões iam sendo disparados para alertar os irmãos sobre
A nossa chegada. Mas, isso não significava uma colaboração espontânea. Nesse “campo minado”, Quem se recusava a obedecer às ordens de Salomão corria um sério risco de amanhecer igual a despacho de macumba: Cercado de velas. O temor era tão intenso que, os colonos, além de alcagüetes, serviam, também, como trabalhadores não remunerados - escravos, para ser mais exato – do bando.
O uso dos rojões de alerta foi constatado logo no primeiro barraco em que chegamos. No meio da mata fechada, espremido em uma pequena clareira, um barraco de lona sem nenhuma proteção é o abrigo de um senhor de mais ou menos 65 anos, sozinho e amedrontado com os últimos acontecimentos. Ele afirma que encontrou os irmãos na tarde do dia anterior e que recebeu uma ordem direta de Salomão que, segundo ele, já sabia da vinda dos policiais, Para não abrir o bico sob pena de dura punição e que, não fraquejasse na vigília. Eu observo do lado de fora, a conversa do colono com o delegado imaginando que tipo de vida é esse... Um homem velho e abatido, vivendo em condições subumanas e, como se não bastasse, humilhado por bandidos que, a qualquer momento podem decidir friamente o seu destino... Então, por que permanecer?
Mas, no estado do Pará, infelizmente, a coação e o trabalho escravo ainda são uma constante. Um exemplo é a velha fazenda São Judas Tadeu, no Nordeste do estado, onde centenas de pessoas, no início da década de 90, viviam em regime de escravidão e com a certeza de que só sairiam dali para o cemitério. Mas, como um zumbi dos palmares, um homem destemido conseguiu driblar o rígido esquema de segurança e chegar à delegacia de polícia de Paragominas onde o caso foi denunciado. O fazendeiro foi preso e os trabalhadores libertados com todos os direitos previstos na lei trabalhista. O criminoso, do qual não me recordo o nome, ficou poucos dias preso, mas, como a justiça divina tarda, mas não falha. Alguns dias depois, ele foi encontrado morto dentro da fazenda, onde por vários anos promoveu as mais variadas formas de humilhação e tortura inimagináveis. Quem conheceu as senzalas da são Judas Tadeu garante que as execuções eram uma prática comum e que sempre aconteciam com requintes de crueldade... Em uma das histórias mais conhecidas, comenta-se que o próprio fazendeiro obrigou um grupo de trabalhadores insatisfeitos a subir na mais alta árvore encontrada e, quando todos completaram a escalada, ele, com uma motosserra, cortou a árvore... Ninguém sobreviveu.
Já passa da meia noite e a caçada continua... As dificuldades de acesso nos obrigaram a abandonar os veículos. Até agora, já são quase quatro horas de caminhada na escuridão e no clima úmido e abafado da floresta. A sede é tanta que nos faz esquecer da fome. É preciso manter o silêncio para não chamar a atenção dos camponeses que costumam construir seus barracos à beira da estrada. Mas, para os cães de caça, isso de nada adianta. Num dado momento, me aproximo do delegado para me colocar a par das novidades e fico sabendo de que a conversa com o primeiro colono surtiu efeito. Estamos a caminho do sítio que pertence à mãe de Salomão e Jânio. O delegado acredita que eles podem estar dormindo lá, já que, segundo o colono, a esposa de Jânio foi vista entrando na Condespar no início da manhã de ontem.
A nossa chegada silenciosa é interrompida pela calorosa recepção de, pelo menos, uma dúzia de cachorros. A escuridão é total. Deitados, no meio da estrada, aguardamos a reação de quem está dentro da casa. Pela fresta da janela alguém varre a escuridão com o foco de uma lanterna.
A investida acontece, mas, não foi dessa vez. Um caseiro da família é interrogado. Ele informou ao xerife que o motorista de Adriano Salomão estaria dormindo em um barraco mais à frente e que o próximo passo seria pegá-lo de surpresa e forçá-lo a falar. Dito e feito. O barraco está cercado. Os policiais gritam as ordens:
-Saiam com as mãos para cima... Deitados. - Não foi tão difícil. O suposto motorista foi identificado e, de imediato passou a sofrer uma forte pressão psicológica. Não demorou muito para que ele entregasse o serviço. Adriano Salomão e Jânio (O irmão caçula), passaram o dia bebendo, rodando de barraco em barraco na tentativa de fugir do fator surpresa e, segundo o motorista, a esta hora, devem estar dormindo num sítio que fica logo à frente, há pouco mais de dois quilômetros daqui. A declaração causou uma euforia generalizada. Todos os percalços da viagem já não eram tão importantes. Estávamos a poucos minutos de uma grande vitória: Por as mãos nos homens mais procurados pela polícia do Sul do Pará
Continuamos a caminhada. Passos e respiração acelerados... Nem é preciso pedir silêncio... Todos estamos meio que hipnotizados; um filme de aventura deve estar rodando na cabeça de cada um e, não é difícil imaginar quem é o mocinho em cada uma das histórias. Foram os três quilômetros mais rápidos da minha vida.
Agachados no meio da estrada de terra ouvimos atentamente às últimas coordenadas da missão. Agora são menos de 100 metros até o esconderijo de Salomão e Jânio. Nada pode dar errado. Um grupo sai na frente para cercar o barraco e o outro faz cobertura para evitar a fuga da dupla. A imprensa deve aguardar o desfecho da operação para dar início às filmagens. O silencio total volta a tomar conta do grupo que aguarda o sinal à beira da estrada. Nessa hora, tudo fica muito confuso... Um misto de realidade e ficção, de coragem e medo do pior, de alegria pelo sucesso da busca e tristeza pelo destino desses seres humanos... Mesmo sabendo do que eles são capazes, nesse momento é difícil sentir o ódio que eles talvez mereçam.
Atentos aos mínimos detalhes, mesmo estando na maior escuridão, Aldo de Castro e sua equipe se aproximam lentamente do casebre. Qualquer descuido pode por tudo a perder. Nesse mesmo instante, uma lanterna é acionada dentro do barraco. As armas da polícia, agora, estão com massa e alça de mira alinhadas na direção da porta da frente. Um outro grupo toma posição nos fundos do terreno, mas todos preservam o alto controle... É preciso continuar observando para que nenhuma injustiça seja cometida. A porta se abre devagar e um velho sonolento sai em direção ao pomar do sítio. A polícia percebe que ele de nada suspeita e permanece camuflada. Aldo olha para o policial ao lado e aponta o indicador na direção do velho. O policial entende o recado e, como uma onça nos instantes que antecedem o bote ele sai, agachado e numa rapidez considerável dá o bote e aplica uma gravata no pescoço do homem que admirava as estrelas enquanto urinava. A reação do pobre coitado que nem suspeitava do que se tratava, foi uma seqüência de gritos que varou quilômetros no meio da noite.
O efeito surpresa já estava quebrado... A polícia tratou de cercar o barraco e ordenar a saída dos procurados. Adriano Salomão e Jânio acordaram atordoados com a gritaria que não cessava e, pelas frestas das paredes de barro perceberam o cerco da polícia e, nesse momento compreenderam: A casa caiu. Os irmãos soltaram as armas e foram saindo com as mãos na cabeça e pedindo calma aos policiais. Deitados no chão, humilhados e algemados eles, agora, só queriam sair dali com vida.
Quando percebeu que estava sendo filmado e que a polícia não pretendia partir para o “Esculacho”, Adriano Salomão se mostrou bem à vontade para dar entrevista. Ele afirmou que há muito tempo aguardava a chegada da polícia para por um fim nas acusações que pesavam sobre ele e o irmão caçula. Demonstrando um considerável grau de conhecimento Salomão afirma que confia nas instituições e que em momento algum estava disposto a enfrentar a polícia. A rendição, segundo ele, era só uma questão de tempo e que, só já não havia acontecido por falta de recursos para contratar um bom advogado. Enquanto conversa com nossa equipe, Salomão faz uma pausa para orientar o irmão que, num outro canto, era sabatinado pela polícia. “Janinho reserve-se ao direito de só responder às acusações em juízo.”
Um pouco recuado, o delegado Aldo de Castro comemora com tenente Oliveira o desfecho da questão. Eu me aproximo para fechar a minha reportagem e, antes que eu perguntasse alguma coisa, o “Robocop” adianta-se:
-Emerson, ele fez o desafio e eu aceitei. Estou feliz por ter efetuado a prisão dos bandidos mais procurados no Sul do Estado do Pará, num cenário bastante ameaçador e, o mais importante: Sem efetuar um único disparo.

    Confira o vídeo com a reportagem sobre a prisão dos irmãos Salomão e Jânio.

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